TEXTO 4
capítulo 6
O saber e o saber fazer do professor
Ana Maria Pessoa de Carvalho
Daniel Gil Perez
Desde o final da década de 70, a sociedade educacional brasileira discute, em suas várias associações, a formação de professores procurando nortear o que existe em comum nessa formação para os diversos níveis de ensino. Segundo Brzezinski ( 1996),
...quanto à consecução de uma formação inicial de qualidade, o Movimento Nacional, em sua trajetória, procurou traçar uma pauta mínima e não um projeto acabado para apoiar o trabalho das experiências de reformulação curriculares que foram se efetivando. (p. 202)
Essa pauta mínima, também denominada de base comum nacional, está assentada em cinco eixos:
1) sólida formação teórica;
2) a unidade teoria e prática, sendo que essa relação diz respeito ao como se dá a produção de conhecimento na dinâmica curricular do curso;
3) o compromisso social e a democratização da escola;
4) o trabalho coletivo;
5) a articulação entre a formação inicial e continuada.
Neste capítulo, vamos nos debruçar nos dois primeiros eixos da base comum nacional visando nos aprofundar no saber e no saber fazer dos professores das licenciaturas, isto é, nos saberes necessários para uma sólida formação teórica e nas relações teoria e prática que proporcionam as condições para o saber fazer dos professores que irão ensinar um determinado conteúdo (Português, Matemática, Historia, Física, etc.) na escola fundamental e média.
Podemos distinguir três áreas de saberes necessárias para proporcionar aos professores uma sólida formação teórica (Carvalho c Vianna, 1998):
· os saberes conceituais e metodológicos da área que ele irá ensinar:
· os saberes integradores, que são os relativos ao ensino dessa área;
· os saberes pedagógicos.
A cada um deles está relacionado um saber fazer, ou seja, uma relação teoria e prática - teorias diferentes requerem práticas diferentes.
6.1 Os Saberes Conceituais e Metodológicos da Área Específica
Quando trabalhamos com professores, quer nos cursos de formação inicial, quer nos de formação continuada e lhes fazemos a pergunta: "O que deve saber e saber/fazer um professor para ser um ótimo profissional" (Carvalho et Gil, 1993), sempre obtemos uma resposta em primeiro lugar: “ele deve saber o conteúdo que irá ensinar". Depois, se organizarmos uma discussão em grupo em que os professores possam discutir com seus colegas, muitos outros saberes vão sendo elencados, tais como: saber preparar as aulas, dirigir as atividades dos alunos; ter boa interação em classe, isto é, entender o que os alunos dizem e se fazer entender por eles, saber avaliar, escolher dentro do currículo apresentado pela escola o que é mais significativo etc. Mas os grupos de professores reunidos ainda ratificam que saber o conteúdo a ser ensinado é o fator mais importante que caracteriza um bom profissional.
Mas o que é saber o conteúdo a ser ensinado?
Essa também é uma discussão bastante interessante a se fazer com os professores. A primeira fonte de conhecimento citada nas discussões é o livro-texto, mas será que basta conhecermos bem o conteúdo apresentado nos livros-textos universitários para sabermos preparar uma aula para o curso médio? Ou sabendo o conteúdo apresentado nos livros do curso médio estamos preparados para ensinar no curso fundamental? Será que o conteúdo a ser trabalhado nos cursos fundamental e médio deve ser o mesmo do superior, somente em um nível mais simples? O que significa "em um nível mais simples”?
Análises feitas nos livros didáticos para adolescentes têm mostrado que, na procura de "simplificar o conteúdo”, seus autores somente tornam estes muito mais áridos e difíceis que os usados por universitários (Castro, 2000; Espinosa e Carvalho, 1991). Na grande maioria dos livros didáticos para os níveis fundamental e médio, o conteúdo é apresentado através do encadeamento de uma série de conceitos, em uma seqüência lógica que nem sempre é explicitada, discutida e/ou justificada. Além disso, os conceitos são introduzidos a partir de suas definições, de suas equações matemáticas ou de seus gráficos, sem nenhuma descrição das necessidades intelectuais que levaram os cientistas a construí-los.
Todos os trabalhos de pesquisas existentes mostram a gravidade causada por uma carência de conhecimentos da matéria pelo professor, transformando-o em um transmissor mecânico dos conteúdos de livros textos.
Para que o professor possa fazer uma crítica fundamentada nos livros-textos e ao ensino tradicional, estando apto para inovações curriculares que estão acontecendo no ensino, ele precisa dominar os saberes conceituais e metodológicos de sua área, o que, para nós, - centrando-nos, a título de exemplo, na Educação científica -, significa (Carvalho e Gil, 1993):
- Conhecer os problemas que originaram a construção de tais conhecimentos e como chegaram a articular-se em corpos coerentes, evitando assim visões estáticas e dogmáticas que deformam a natureza do conhecimento. Se trata, portanto, de conhecer a história das ciências, não só como suporte básico da cultura científica, mas, principalmente, como uma forma de associar os conhecimentos com os problemas que originaram sua construção, sem o qual tais conhecimentos aparecem como construções arbitrárias. Se pode, assim, conhecer quais foram as dificuldades, os obstáculos epistemológicos que se teve de superar, o que constitui uma ajuda imprescindível para compreender as dificuldades dos estudantes,
-Conhecer as orientações metodológicas empregadas na construção dos conhecimentos, isto é, conhecer a forma como os cientistas colocam e tratam dos problemas de seu campo do saber, as características mais notáveis de sua atividade, os critérios de validação e aceitação de suas teorias.
-Conhecer as interações Ciências/Tecnologia/Sociedade associadas a construção de conhecimentos, sem ignorar o frequente carater conflitivo dessa construção e a necessidade da tomada de decisão.
-Ter algum conhecimento dos desenvolvimentos científicos recentes e suas perspectivas, para poder transmitir uma visão dinâmica do conteúdo a ser ensinado.
-Adquirir conhecimentos de outras disciplinas relacionadas, de tal forma que possa abordar problemas transdisciplinares, a interação entre distintos campos e também os processos de unificação.
Temos consciência de que essa visão do que seja “conhecer o conteúdo que se deve ensinar" é inovadora para muitos professores e/ou futuros professores, pois são poucos os cursos de graduação em que encontramos disciplinas que discutam essas problemáticas e que façam uma estreita ligação entre o conteúdo específico e as reflexões históricas e filosóficas de sua produção.
Para essa área do saber - saber conceitual e metodológico do conhecimento específico -, a relação teoria e prática não é feita em relação ao ensino desse conteúdo, mas sim ao próprio desenvolvimento metodológico do conteúdo. Assim, por exemplo, para a Física, a prática é feita nos laboratórios de Física, para a História, a prática dos alunos é feita nas bibliotecas, nos museus e centros de documentação. A prática, ou o saber fazer, está intrinsecamente relacionada com a forma de produção do conhecimento na área.
Este é um ponto bastante importante na formação inicial e permanente dos professores, pois várias pesquisas têm mostrado (Tobin e Espinet,1989; Ostermann e Moreira, 2000; Terazzan et al, 2000) que a principal dificuldade para que os professores se envolvam realmente na implantação de propostas inovadoras é a falta de domínio das questões fundamentais do conhecimento. Nas duas últimas pesquisas citadas, onde procuravam introduzir conceitos da Física Moderna nas escolas médias, chegou-se à conclusão de que todas as formalizações matemáticas, que os professores em formação dominavam dessa disciplina, não foram suficientes para que eles pudessem ensinar os conceitos no nível médio.
Existe uma forte correlação entre "conhecer o conteúdo que se deve ensinar', isto é, o domínio do conteúdo pelo professor e como esse conteúdo deve ser trabalhado com o aluno, isto e, o conteúdo escolar.
Quando os professores conhecem o conteúdo que pretendem ensinar, abrangendo os cinco pontos que propusemos acima, ele terá condições de planejar um ensino que alcance o conceito de "conteúdo escolar" sugerido por Coll (1992). Propondo romper com um ensino centrado apenas na memorização mais ou menos repetitiva de fatos e na assimilação mais ou menos compreensível de conceitos e sistemas conceituais, este autor amplia o conceito de conteúdo escolar incluindo os aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais e sugere que o professor planeje e desenvolva atividades de ensino que permitam que seus alunos trabalhem de forma inter-relacionada esses três aspectos do conteúdo.
6.2 Saberes Integradores
O saberes integradores são os relacionados ao ensino dos conteúdos escolares e são provenientes das pesquisas relacionadas na área de ensino do conteúdo específico. Estas pesquisas têm tido um enorme crescimento nos últimos anos, internacional e nacionalmente, refletindo todo um esforço, em termos brasileiros, na produção desses conhecimentos que em sua maior parte são desenvolvidos nos cursos de Pós-Graduação por professores ou ex-professores dos ensinos Fundamental e Médio interessados em entender como se ensina e se aprende um determinado conteúdo e em detectar os principais problemas enfrentados na formação de professores criativos para essas áreas.
Essas pesquisas têm sido apresentadas c discutidas nos Encontros e Simpósios sobre o ensino das áreas específicas, como, por exemplo, os Encontros de Pesquisa em Ensino de Física, os Encontros de Pesquisadores de Ensino de Ciências, os Encontros de Ensino de Matemática, os Encontros de Pesquisa de Ensino de Historia, os Encontros Nacionais de Ensino de Geografia, as reuniões: Perspectivas do Ensino de Biologia, também dentro das reuniões das sociedades científicas como nas Reuniões da Sociedade Brasileira de Química e nas da Associação Nacional de Professores de Historia (ANPH U).
Um dos resultados significativos provenientes das pesquisas em formação de professores é o que indica que um dos obstáculos para o professor adotar uma atividade docente inovadora e criativa, além da já discutida falha no domínio do conteúdo, são suas idéias sobre ensino e aprendizagem, ou seja, "... as idéias docentes de senso comum" (Carvalho e Gil, 1993). Essas pesquisas mostram que os professores têm idéias, atitudes e comportamentos sobre o ensino, formados durante o período em que foram alunos, adquiridos de forma não-reflexiva, como algo natural, óbvio, escapando, assim, à crítica e se transformando em um verdadeiro obstáculo para uma mudança didática.
É necessário colocar problemas, questões, ou seja, atividades desequilibradoras, para que os professores tomem consciência da importância que esses aspectos tem no desenvolvimento do ensino e da aprendizagem do conteúdo.
Costumamos desenvolver com professores, em nossos cursos de formação inicial ou em serviço, uma atividade em que buscamos sensibilizá-los para o fato da aridez e da não-significação, para os alunos, dos conteúdos tradicionalmente apresentados nos cursos médios. Propomos a esses professores (ou graduandos) entrevistarem cinco profissionais liberais em cujos respectivos cursos de graduações não constam a disciplina enfocada na pesquisa; desse modo, a ultima vez que o entrevistado estudou esse conteúdo foi realmente no curso médio. Escolhemos profissionais liberais porque esses passaram por um vestibular, o que já pode ser visto como uma avaliação do seu ensino médio. A entrevista tem uma questão fundamental: "... o que você lembra da 'física' que lhe foi ensinada no curso médio"? A partir da resposta a essa questão, outras vão sendo formuladas para avaliarmos o conhecimento adquirido nesse período.
() resultado que costumamos obter é muito desestruturador. Os entrevistados, em sua grande maioria - mais de 70 % de nossa amostra -, não lembram de nada do que estudaram no curso médio ou lembram somente dos nomes dos principais tópicos estudados - por exemplo: lembram que estudaram dinâmica, óptica, eletricidade e mais nada. O restante lembra de maneira muito geral do conteúdo que lhe foi apresentado, não podendo, entretanto, explicar nenhum dos conceitos-chave. Nessa mesma entrevista, procuramos caracterizar o papel do professor e encontramos sujeitos que gostaram muito de seus professores e que achavam que eles tinham lhes ensinado muito bem, mas, mesmo nesses casos, eles não conseguiam lembrar os principais conceitos do conteúdo estudado.
A discussão dos resultados obtidos nas entrevistas leva a uma crítica fundamentada em relação ao como o conteúdo é tradicionalmente desenvolvido nas escolas. Voltamos a questionar esse ensino em que o contendo é transmitido de uma forma dogmática e a relacionar o conteúdo dominado pelo professor com o conteúdo escolar por ele ensinado.
Iniciamos, então, um questionamento sobre a forma como tradicionalmente são introduzidos os conceitos, os trabalhos práticos e os problemas. Levantamos as questões das relações do ensino do conteúdo com os aspectos históricos e sociais e, principalmente, a questão de que o conteúdo escolar, proposto aos nossos jovens, não pode se reduzir a uma coleção de fatos, conceitos, leis e teorias como tradicionalmente são apresentadas aos alunos, Dessa maneira, na melhor das hipóteses, o que realmente permanece com os alunos, no final da escola média, é uma visão reducionista e neutra do que seja produção de conhecimento pela humanidade (Gil, 1993).
Na verdade, o professor precisa saber analisar criticamente o ensino tradicional, sendo que essa análise não é fácil, pois requer uma ruptura da visão da docência recebida ate o momento. Várias atividades na formação do professor devem ser direcionadas para esse fim e aqui aparece de modo bastante forte: a relação entre a teoria e a prática, entre o saber e o saber fazer. Os professores não só deverão saber analisar criticamente o ensino tradicional como também fazer atividades renovadoras. Isto obriga que estas propostas sejam vividas e vistas em ação, por exemplo, videogravadas (Carvalho, 1999).
Outro foco das pesquisas em ensino, que tem produzido resultados solidamente estabelecidos, é o que mostra a existência de concepções espontâneas difíceis de serem substituídas, durante o ensino, por conhecimento científico. Estas pesquisas tiveram grande desenvolvimento na área do ensino de Física, tendo já aparecido na literatura dirigida aos professores, livros e artigos, sistematizando os resultados obtidos e mostrando as principais concepções espontâneas encontradas nos conteúdos ensinados nas escolas fundamental e média. (Driver, Guesnes e Tiberghien, 1985; Scott, Asoko, Driver, 1998).
Essa linha de pesquisa estendeu-se, primeiramente, para as áreas de investigação em ensino de Química, onde também já encontramos trabalhos de revisão de literatura sobre esse tópico. Na área de pesquisa em ensino de Geografia, muitas investigações foram realizadas no Brasil, como, por exemplo, a que estuda como é feita a leitura dos mapas pelas crianças (Oliveira, 1977 e Cecchet, 1982) e a que procura descobrir como as crianças constroem as noções de latitude e longitude (Góes, 1983), Também no ensino de Cartografia, várias pesquisas foram feitas visando entender o pensamento dos alunos (Paganelli, 1987; Simielli, 1996; Castelar, 1996).
Na área de ensino de línguas, no nosso caso o ensino de Português, esse mesmo objetivo de pesquisa - conhecer como os alunos pensam os conceitos fundamentais do conteúdo a ser ensinado na escola - também teve um grande desenvolvimento apesar de ter base teórica diferente. Aqui, a produção desse conhecimento sofreu maior influência dos trabalhos sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidos por Ferreira e Teberosky (1985).
Mas, quaisquer que sejam os representantes teóricos que deram origem a essas pesquisas, o professor precisa conhecer os seus resultados, ou seja, saber da existência das concepções espontâneas ao planejar o seu ensino e ter consciência de que seus alunos chegam às aulas com conhecimentos empíricos já constituídos e, portanto, não são uma "tábula rasa". Eles vão sempre compreender a proposta de ensino do professor a partir de seus esquemas conceituais prévios.
As pesquisas em concepções espontâneas deram origem a uma nova linha de investigação, que procura determinar as condições de ensino e de aprendizagem para se obter uma mudança ou uma evolução conceitual (Silva, 1989; Teixeira, 1983; Mortmimer, 1994; Barros, 1996). Essas propostas de ensino partem de um referencial construtivista, isto é, orientam a aprendizagem dos alunos como uma (re)construção de conhecimento a partir de seus conceitos iniciais, mas que vão evoluindo para os conceitos científicos através de atividades de ensino nas quais situações problemáticas de interesse dos alunos são colocadas e a metodologia da produção do conhecimento é respeitada. Como afirmam Driver e Oldham ( 1986), talvez a mais importante implicação do modelo construtivista seja "conceber o currículo não como um conjunto de conhecimentos e habilidades, mas como um programa de atividades através das quais esses conhecimentos e habilidades possam ser construídos e adquiridos."
Dentro dessa perspectiva, o professor precisa saber preparar um programa de atividades que leve seus alunos a construir os conhecimentos, habilidades e atitudes do conteúdo que se propõe a ensinar (Gil et al., 1999;Carvalho et al., 1998).
Se a relação teoria – prática é importante na construção do conteúdo específico, essa mesma relação torna-se imprescindível em relação ao domínio dos saberes integradores. Agora, a prática se dá na escola, nos estágios dos cursos de graduação, onde os professores vão procurar estabelecer um vínculo bastante forte entre o saber e o saber fazer.
É preciso que os professores saibam acerca dos conceitos espontâneos, mas é preciso também que eles saibam fazer, através de questões problematizadoras bem formuladas, com que os alunos explicitem suas concepções espontâneas e que essas apareçam com um status de hipótese a serem testadas e não como um confronto entre a idéia pessoal do aluno e a idéia científica.
É preciso que os professores saibam construir atividades inovadoras que levem os alunos a evoluírem, nos seus conceitos, habilidades e atitudes, mas é necessário também que eles saibam dirigir os trabalhos dos alunos para que estes realmente alcancem os objetivos propostos. É importante o envolvimento dos participantes em atividades de ensino que sejam problemáticas para os alunos a que se destinam. Tais atividades, além de possibilitar a vivência de propostas pedagógicas inovadoras, fazem com que os professores se interem dos detalhes e dificuldades que essas propostas colocam. () saber fazer nesses casos é muitas vezes, bem mais difícil do que o fazer (planejar a atividade) e merece todo um trabalho de assistência e análise crítica dessas aulas (Carvalho, 1996). Este saber fazer, que quase sempre se dá nos estágios supervisionados nas escolas fundamental e média, precisa ser pensado como um laboratório onde os professores vão testar suas hipóteses de ensino, onde a relação teoria-prática deve estar sempre presente. Todos os conceitos de "reflexão na ação" e "reflexão sobre a ação" (Schon, 1992; Zeichner, 1993) podem e devem ser estimulados durante os estádios.
Outra linha de pesquisa proveniente dos estudos sobre mudança conceitual é aquela que investiga as discussões em sala de aula: dos alunos entre si e dos alunos com o professor (Mortimer e Machado, 1997; Mortimer, 1998; Scott, 1997). O professor tem uma linguagem própria, que é a das ciências ensinadas na escola, construídas e validadas socialmente; uma das funções da escola é fazer com que os alunos se introduzam nessa nova linguagem, apreciando sua importância para dar novo sentido às coisas que acontecem ao seu redor, entrando em um mundo simbólico que representa o mundo real (Driver e Newton, 1997).
Para que ocorra uma mudança na linguagem dos alunos - de uma linguagem cotidiana para uma cientifica -, os professores precisam dar oportunidade aos estudantes de exporem suas idéias sobre os fenômenos estudados, num ambiente encorajador, para que eles adquiram segurança e envolvimento com as práticas científicas. É, portanto, necessária a criação de um espaço para a fala dos alunos nas aulas. Através da fala, além de poder tomar consciência de suas próprias idéias, o aluno também tem a oportunidade de poder ensaiar o uso de um novo gênero discursivo, que carrega consigo características da cultura científica (Capecchi e Carvalho, 2000).
O professor precisa saber que aprender é também apoderar-se de um novo gênero discursivo, o gênero científico escolar; para isso, ele precisa saber fazer com que seus alunos aprendam a argumentar, isto é, que eles sejam capazes de reconhecer as afirmações contraditórias, as evidências que dão ou não suporte às afirmações, além da capacidade de integração dos méritos de uma afirmação. Este ambiente é propício para que os alunos passem a refletir sobre seus pensamentos, aprendendo a reformulá-los através da contribuição dos colegas, mediando conflitos através do diálogo e tomando decisões coletivas.
Temos que assinalar, por último, sem querer ser exaustivo, que os professores precisam também, para ser um bom profissional, dominar os saberes pedagógicos.
6.3 Saberes Pedagógicos
Os saberes pedagógicos abrangem um espectro bastante amplo. Alguns estão relacionados ao ensino dos conteúdos escolares, mas são provenientes de pesquisas nos campos da Didática Geral e da Psicologia da Aprendizagem e intimamente relacionados com os acontecimentos dentro da sala de aula, influenciando diretamente o ensino e a aprendizagem de todos os conteúdos. Para vários autores, esses saberes pedagógicos podem ser pensados como saberes integradores, pois aparecem frequentemente nas pesquisas sobre ensino e aprendizagem nas áreas dos conteúdos específicos. Como exemplo, podemos citar: o saber avaliar, o compreender as interações professor-aluno, o conhecer o caráter social da construção do conhecimento, etc.
Outros saberes vêm das pesquisas que estudam a escola e o ambiente escolar de maneira mais ampla, os professores e os problemas de sua profissionalização, mas cujos fatores influenciam professores e alunos, ensino e aprendizagem. São as pesquisas que estudam, por exemplo, a violência na escola, o ambiente das organizações escolares favorecendo ou dificultando o trabalho desenvolvido em sala de aula, o clima generalizado de frustração associado às atividades docentes, suas expectativas como profissional e em relação aos alunos.
Não vamos, neste capitulo, nos aprofundar nos saberes pedagógicos, pois eles estão sendo apresentados e discutidos com uma profundidade muito maior do que poderíamos aqui apresentar em vários outros textos desse livro.
O que temos que acrescentar é que o professor precisa também construir o saber fazer em relação a esses saberes e que o locus para obtenção de dados que potencializam a relação teoria- prática é, ainda, a escola. Atividades de estágio direcionadas para essa análise crítica da escola e de seu ambiente devem fazer parte da ação de todos os professores.
Vamos apresentar, como exemplo para discussão, uma aula que transcrevemos de um curso de Física dado para uma escola estadual na cidade de São Paulo (2ª série do curso médio). A necessária preparação da aula, os diálogos dos alunos e do professor permitem uma reflexão sobre os saberes do professor para alcançar os objetivos didáticos de uma proposta inovadora.
6.4 Um Exemplo: Atividade onde Discutimos Ciência,
Tecnologia e Sociedade em uma Aula sobre Telescópio e onde Apresentamos os Saberes do Professor e o seu Saber Fazer
Nas propostas atuais de ensino de ciências, em que se pretende levar os alunos a construir o seu conhecimento através de uma integração harmônica entre os conteúdos específicos e os processos de produção desse mesmo conteúdo; a introdução de atividades que discutam os problemas de Ciência, Tecnologia e Sociedade (C/T/S) tem um fator de destaque (Carvalho e Vannucchi, 1999).
Elaboramos esta atividade com a intenção de verificar como os estudantes discutem sobre Ciência quando lhes é proposto um tema controverso, no caso, as redações entre Ciência c Tecnologia, com base no episódio do aperfeiçoamento da luneta por Galileu Gal i lei, no século X VII.
Enquanto o senso comum atribui relação causal entre desenvolvimento científico e tecnológico, sendo a Ciência considerada matriz da Tecnologia (Díaz, 1995), no episódio da luneta esse modelo não apenas não se aplica, mas trata exatamente do contrário: embora Galileu tenha aperfeiçoado a luneta a ponto de permitir a realização de observações astronômicas que determinaram uma nova etapa para a Astronomia, a Ciência da época não explicava por que e como funcionava aquele aparato.
Embora Galileu tenha transformado a luneta débil em poderoso instrumento de pesquisa, ele o fez por ter sido o primeiro a polir lentes objetivas de longo alcance com qualidade suficientemente boa (Cohen, 1992), o que indica que, se uma relação causal foi estabelecida para este episódio, o instrumento tecnológico terá permitido novas possibilidades à Ciência.
Na elaboração da atividade de ensino foi selecionado um diálogo, escrito por Stillman Drake (1983), travado entre contemporâneos imaginários de Galileu sobre o episódio do aperfeiçoamento da luneta.
A atividade foi proposta para turmas de segundo ano colegial de uma escola pública de São Paulo, Brasil. As aulas foram filmadas em vídeo e transcritas. Em uma primeira aula, os alunos leram o texto e discutiram as questões colocadas ao final, em grupos de 4 a 5 pessoas. Vamos apresentar alguns momentos da aula seguinte, quando o professor abriu a discussão para toda a classe, a fim de analisarmos essas seqüências da aula (esses dados foram retirados de Vannucchi, 1996).
Referência:
CARVALHO, ANA. M. P. de, Daniel Gil Perez. O saber e o saber fazer dos professores. In: CASTRO, A. D. de; CARVALHO, A. M. P. de (org.) Ensinar a Ensinar - Didática para a Escola Fundamental e Média. São Paulo: Pioneira, 2001, pp. 107-121.
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